Política

Acordo de delação premiada da JBS teve mais benefícios que os outros? Que critérios são usados? Entenda

acordo de delação premiada do grupo J&F, feito pelos donos da JBS, Joesley e Wesley Batista, e outros cinco delatores, prevê imunidade total aos irmãos. Eles não vão responder criminalmente pelo esquema de propinas que revelaram a procuradores da República e terão dez anos para pagar uma multa de R$ 225 milhões, termos que têm sido classificados como muito benéficos em comparação aos que foram acordados com outros delatores da Operação Lava Jato.

Segundo especialistas, os benefícios concedidos a quem delata seus pares num esquema criminoso dependem de critérios previstos em lei, mas também da análise de cada caso pelos procuradores das forças tarefas envolvidos em operações que já abrangem Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília.

Quanto melhor a colaboração, mais benefícios o réu obtém, como redução da pena, substituição por penas restritivas de direitos e, em alguns casos, o perdão da punição. A lei indica vários critérios para atenuar as penas dos delatores, entre eles:

a recuperação total ou parcial do dinheiro desviado

revelação da estrutura hierárquica e da divisão das tarefas da organização criminosa

gravidade dos crimes cometidos

tempo que demorou para delatar

se foi o primeiro a delatar o esquema

repercussão social do crime cometido

personalidade do delator

Na Operação Lava Jato, a aplicação de um ou mais desses critérios tem resultado em benefícios diferentes aos delatores. O MPF avalia quais deles podem ser usados e se a delação será efetiva, ou seja, terá o poder de ajudar nas investigações. Se sim, ela pode ser feita até depois de uma sentença. O delator também deve falar espontaneamente, ou seja, não pode ser forçado a revelar nada. Depois a delação ainda precisa ser homologada pelo Judiciário, que avalia se tudo foi feito conforme a lei. Se o delator mentir ou as informações não forem úteis ou confirmadas, a delação pode ser desfeita e seus benefícios, cassados.

No caso dos donos da JBS, a delação de um esquema de propina que envolvia pagamentos a mais de 1,8 mil políticos em todo o país, incluindo ainda gravação de conversa com o presidente da República, Michel Temer, e o senador Aécio Neves (PSDB), foi considerada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, relevante o suficiente para conceder o perdão judicial aos irmãos, a promessa de não oferecimento de denúncias relativas aos crimes revelados e ainda proteção policial caso precisassem.

O acordo em muito difere do estabelecido anteriormente com Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira. Marcelo, que chegou a criticar quem dedura, foi preso em junho de 2015, mas só aceitou fazer delação após a descoberta de um departamento de propina na empresa pela Operação Lava Jato. A delação do grupo foi homologada em janeiro deste ano, prevendo a redução de suas eventuais penas para dez anos. Até agora, ele foi condenado em apenas um processo, a 19 anos e 4 meses de prisão, dos quais cumprirá os primeiros dois anos e meio em regime fechado.

Ainda assim, a pena é mais dura em comparação com delatores que colaboraram no início das investigações. A maioria deles passou a cumprir regime domiciliar assim que fechou o acordo. Marcelo ainda deverá cumprir mais de um ano de regime fechado. A redução na pena só foi possível, segundo procuradores, por causa da abrangência das revelações da apelidada "delação do fim do mundo" (veja tudo sobre a delação da Odebrecht).

Outros delatores

Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, foi solto antes mesmo da homologação de sua delação. Ele teve a pena semelhante à de Marcelo Odebrecht, de 18 anos no regime fechado, que foi reduzida para um ano de prisão domiciliar com tornozeleira, dez meses de regime semiaberto diferenciado e entre dois e cinco anos de regime aberto diferenciado.

Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal, foi condenado a cumprir ao menos 70 anos de prisão, mas sua pena máxima foi negociada para um máximo de três anos em domiciliar. Ele foi o primeiro delator do esquema de corrupção na Petrobras. Cumpriu um ano de prisão domiciliar e já tirou a tornozeleira eletrônica.

Alberto Youssef, que assinou a delação após Costa e cujas penas somadas superam os 120 anos, teve um benefício maior. Com um máximo de três anos preso, ele pôde progredir diretamente ao regime aberto e continua apenas com a tornozeleira.

O ex-senador Delcídio do Amaral teve a pena reduzida para um ano de semiaberto domiciliar e o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró obteve pena máxima de um ano, cinco meses e nove dias em regime fechado e já está com tornozeleira de monitoramento eletrônico.

Segundo reportagem da "Folha de S.Paulo", o acordo com delatores da Odebrecht também é o único com uma cláusula de cumprimento imediato da pena após a homologação dos acordos, ou seja, aqueles que não tenham sido condenados já poderão ser presos mesmo sem sentença. Do total de 77 delatores, apenas cinco foram condenados. O conteúdo das delações permanece sob sigilo.

Delatores e suas penas

Marcelo Odebrecht - 19 anos e 4 meses de prisão - Acordo prevê máxima de dez anos, sendo dois anos e meio em regime fechado (permanece preso);

Otávio Marques Azevedo - 18 anos de prisão - Cumpre no máximo um ano em prisão domiciliar (permanece em domiciliar);

Alberto Youssef - penas somam 122 anos - Máximo três anos, com progressão diretamente para o regime aberto, sem passar pelo semiaberto (está em regime aberto diferenciado, com tornozeleira); Delcídio do Amaral - 15 anos de prisão - Cumpre um ano e seis meses de semiaberto domiciliar mais seis meses de serviços à comunidade;

Nestor Cerveró - 24 anos de prisão - Cumpre um ano, cinco meses e nove dias em regime fechado (está com tornozeleira);

Paulo Roberto Costa - penas de 75 anos de prisão - Máxima de três anos em domiciliar (está em regime aberto).

Veja o que todos os delatores disseram e seus benefícios

As penas ainda podem mudar, já que há processos em andamento. Os acordos também prevêem outras sanções, como devolução do dinheiro e pagamento de multas

Benefícios excessivos?

A Procuradoria-Geral da República justificou que o acordo com os irmãos Batista levou em conta não só a gravidade do esquema revelado, como também a apresentação espontânea dos delatores. Segundo a PGR, Joesley Batista colocou a vida em risco ao participar das chamadas ações controladas, ou seja, gravou as conversas que teve com políticos e negociou a entrega de malas de dinheiro. A delação da JBS foi considerada eficiente: para os investigadores, os delatores entregaram provas contundentes sobre crimes que estavam em andamento.

"É evidente que, se fosse possível, jamais celebraríamos acordos de colaboração com nenhum criminoso. No campo plasmável da vontade, desejamos o rigor máximo para todos os que transgridem os limites da lei penal, sem concessões. Mas, desafortunadamente, o caminho tradicional para aplicação da lei penal tem-se mostrado ineficaz e instrumento de impunidade" (Rodrigo Janot, procurador-geral da República, em artigo no jornal 'Folha de S.Paulo')

Já para o Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (Ibradd), o acordo foi excessivamente benéfico, inclusive se comparado aos anteriormente feitos na Lava Jato. "Essa homologação foi contrária de tudo que vinha sendo visto na Lava Jato, dando benesses aos envolvidos", afirma Roberto Parentoni, presidente do Ibradd, ao G1. O instituto entrou com um mandado de segurança no STF para cassar o acordo. "Quer dizer que vou falar para meus filhos que roubar vale a pena?", questiona.

O instituto critica ainda o possível uso de informações privilegiadas pelo frigorífico em negociações de dólar futuro e ações e afirma que a empresa se recusou a pagar os R$ 11 bilhões de multa requerida pelo Ministério Público em acordo de leniência. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu sete processos para investigar a conduta, que pode configurar crime financeiro. Já as negociações sobre a leniência, que é a delação feita no âmbito de empresa, continuam.

Segundo o especialista em direito penal e professor do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR), Leonardo Pantaleão, não basta o acordo ser endossado pelo Ministério Público para ter validade. Ele precisa ser homologado pelo Judiciário, o que ocorreu no caso da JBS. "O que tem criado um desconforto é que a gente acabou estabelecendo um critério de responsabilidade criminosa às avessas. O criminoso que praticou a maior quantidade de crimes ficou com a menor pena. Fica desproporcional se for comparar em relação a outras pessoas que se valeram do instituto da colaboração premiada", considera.

Para Pantaleão, "como não existem regras muito objetivas relacionadas a um parâmetro de acordo, isso fica num juízo muito subjetivo e acaba muitas vezes possibilitando com que a gente se depare com algo do gênero". "Como avaliar se a JBS colaborou mais que a Odebrecht? Acaba com aquela sensação de que o crime compensa. Tenho que praticar coisas muito grandes porque depois eu entro como colaborador e fico sem qualquer sequela."

"Como não existem regras muito objetivas relacionadas a um parâmetro de acordo, isso fica num juízo muito subjetivo e acaba muitas vezes possibilitando com que a gente se depare com algo do gênero" (Leonardo Pantaleão, especialista em direito penal e professor do Centro Preparatório Jurídico) Para Walter Bittar, doutor em ciências criminais e professor da PUC do Paraná, autor de um livro sobre delação premiada, "o prêmio está excessivo, está desproporcional, não é razoável". Na opinião do professor, a lei mais atual sobre as colaborações, de 2013, não prevê quais os benefícios podem ser dados ao delator, o que permite uma interpretação "muito extensiva". "Extremamente benéfica ao ponto de que a mim me dá a possibilidade de criminalidade de risco calculado", avalia. "Não é que a delação é ruim, mas ela não pode servir com essa generosidade toda."

O advogado Guilherme Dorta, especialista em direito penal, também considera que a legislação é subjetiva. "Não teve prisão efetiva, foi muito brando sim", diz ele sobre o acordo da JBS. "Teve um desvio de bilhões, essa multa não é nada. Saíram completamente ilesos. O acordo foi muito desproporcional em relação aos outros, que devolveram valores proporcionalmente bem maiores e muitos continuaram presos", complementa.

Em artigo para o jornal "Folha de S.Paulo", o procurador-geral da República rebate as críticas: "Os cidadãos honestos deste país devem se perguntar: se tantos críticos tinham o mapa do caminho, a solução perfeita forjada em suas mentes utopistas que solucionaria sem custos o descalabro econômico, moral e político para o qual fomos arrastados, por que não o apresentaram?"

"Quando acreditávamos que nada mais poderia ser desnudado em termos de corrupção, esse acordo demonstrou que três anos de intenso trabalho não foram suficientes para intimidar um sistema político ultrapassado e rapineiro. Autoridades em altos cargos continuavam a corromper, e ainda se deixavam ser corrompidos, sem receios ou pudor. Isso, no entanto, pareceu de pouca gravidade para alguns", afirma Janot.

O G1 enviou ao MPF do Paraná um e-mail questionando se os acordos de delação no âmbito da força tarefa da Lava Jato têm sido excessivamente benéficos. Em resposta, a assessoria de imprensa do órgão informa que o art. 4º da Lei 12.850 (Lei de Organizações Criminosas) prevê, inclusive, a perdão total nos acordos.

Segundo o artigo mencionado, "o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal".

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