MATO GROSSO DO SUL

‘Lockdown severo’ contra o coronavírus gera preocupação com economia no Sudoeste de MS

Autoridades afirmam que medidas de restrição já foram tomadas e, com maiores proibições, pequenas cidades não vão resistir

Prefeito afirma que 2 casos positivos para Murtinho são de pessoas que não vivem na cidade. (Foto: Porto Murtinho Notícias/Reprodução) Prefeito afirma que 2 casos positivos para Murtinho são de pessoas que não vivem na cidade. (Foto: Porto Murtinho Notícias/Reprodução)

Em meio à explosão de casos de coronavírus em municípios do Sudoeste de Mato Grosso do Sul –notadamente Guia Lopes da Laguna e, mais recentemente, Bonito–, e da baixa adesão ao isolamento social pelos moradores da região no enfrentamento ao novo coronavírus (Covid-19), o secretário de Estado de Saúde, Geraldo Resende, anunciou nesta segunda-feira (25) a possibilidade de um lockdown severo naquela região. Embora vista como “oportuna” por lideranças locais, a medida causa temor por seus efeitos, sobretudo econômicos.

“Tem pacientes com diagnóstico positivo para o novo coronavírus, o Covid-19, viajando pelo interior, desrespeitando o isolamento domiciliar e com isolamento social abaixo dos 50%, o considerado ideal por estudos internacionais de Saúde para frear surtos locais da pandemia”, comentou Geraldo pela manhã, ao divulgar dados que confirmaram 99 infecções em 24 horas e 1.023 casos de Covid-19no Estado.

O estopim para a medida anunciada por Geraldo está na livre circulação de pessoas, inclusive contaminados pelo Covid-19, transportando o vírus a locais antes livres da infecção. Na sexta-feira (22), por exemplo, dois moradores de Guia Lopes da Laguna que testaram positivo para o coronavírus participaram de um velório com cerca de 50 pessoas em Porto Murtinho –levando a Saúde local a caçar outros participantes a fim de monitorar se foram contaminadas.

“Precisamos tomar medidas mais duras que o lockdown não só em Guia Lopes, mas em todas as cidades da região sudoeste. Essa é uma decisão que vai ser tomada ainda nesta semana com todos os municípios da região”, emendou o secretário.

“Sede” da polêmica, Porto Murtinho registrou até aqui 2 casos de coronavírus, os quais, conforme o prefeito Derlei Delevatti (PSDB), sequer são da cidade. “O cartão do SUS indica que as pessoas são daqui, mas não são”, afirmou. Segundo ele, mais do que um lockdown severo, “todo o respaldo que o governo nos der para apertar a questão do isolamento social sempre vai ser bem-vindo”.

Em Murtinho, conforme o prefeito, há 60 dias está em funcionamento barreira sanitária que, ao lado de decretos de regulação de atividades comerciais, contra aglomerações e instituindo toque de recolher, impedem cenários de contágio.

“Creio que um fechamento completo de Porto Murtinho não seria o ideal, porque não temos nada instalado [casos] aqui dentro”, disse Delevatti.

Medidas semelhantes são adotadas em praticamente todos os municípios, inclusive Caracol, que adotou regras contra aglomerações aos seus cerca de 6 mil habitantes. Para o prefeito Manoel Viais (PSDB), a imposição de medidas que seria “oportuna”. “Hoje adotamos o uso de máscaras e o toque de recolher. Nos mercados, colocamos algumas regras para funcionarem. As igrejas foram ordenadas a fechar. No comércio, há os que estão respeitando. Mas é claro que tais ações podem ajudar”, considerou.

Preocupação econômica

Neste domingo, o percentual de isolamento social de Caracol foi o menor do Sudoeste e o segundo pior de Mato Grosso do Sul: 32,3%. Em surto, Guia Lopes atingiu 59% (o oitavo melhor), com a vizinha Jardim marcando 48,2%, Bonito atingindo 55,4% e Porto Murtinho, 51,5% –mesmo percentual de Bela Vista, onde há 2 casos confirmados e um lockdown causa preocupação com a sobrevivência econômica da cidade.

“Atualmente [as medidas já adotadas] estão causando desemprego com um simples decreto. Imagine um lockdown com várias restrições como o toque de recolher. Que, na minha opinião, não funciona, como se o vírus não fosse agir à noite”, disparou o vice-prefeito Gabriel Boccia (Avante).

Ele qualificou um lockdown como “desesperador”, principalmente com o fato de a fronteira com o Paraguai estar fechada –a cidade é separada de Bella Vista Norte apenas pelo Rio Apa e, até a pandemia, via seus moradores manterem rotinas compartilhadas. “Muita gente com família no Paraguai está passando necessidade”.

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Em Bela Vista, vice-prefeito aponta dificuldades com fronteira fechada. (Foto: Âncora News/Reprodução)

 

Boccia estima que a arrecadação da cidade sofreu um baque entre 30% e 40% de março para abril e, até este mês, “deve ter pelo menos 30% de queda”. Os percentuais são semelhantes aos de Porto Murtinho, onde Derlei Delevatti aguarda a chegada de uma ajuda federal já aprovada pelo Congresso Nacional, mas que depende de sanção do presidente Jair Bolsonaro –a prefeitura realizou movimentações financeiras, inclusive para reduzir gastos com pessoal, para garantir o atendimento à Saúde e Assistência Social, prioridades na pandemia.

A atividade comercial também caiu em torno de 40%, afirma ele, mas que chega a 95% quando restrita aos negócios com os paraguaios de Carmelo Peralta. “A Marinha Paraguaia impede completamente que alguém adentre Porto Murtinho [pelo Rio Paraguai]”, afirmou Delevatti. Em Porto Murtinho, há 85 pessoas em observação, “Estamos trabalhando da forma mais racional, por isso, não caberia um lockdown de uma hora para outra”.

Omissão do poder público

Presidente da Associação Empresarial de Jardim, Claudemyr Soares integra o Comitê de Operações Especiais do município e destaca ser favorável às medidas de distanciamento social, contudo, rejeita completamente a possibilidade do “fechamento total”. “Chegamos ao consenso de trabalhar com restrições, seguindo todas as normas da OMS [Organização Mundial de Saúde], com redução de colaboradores e clientes nos estabelecimentos e de toque de recolher. Tudo o que tem de ser feito para restrição de pessoas de forma que posaos trabalhar com segurança e proporcionar segurança”, disse.

“Agora, não aceitamos um lockdown total. O comércio em si já vem sofrendo faz tempo. A questão dos autônomos é vista no Brasil todo. Quem trabalhava hoje para comer amanhã está com dificuldade. Não há condições de apoiarmos essa situação. O secretário precisa sair do escritório e vir para o município ver como funciona a coisa e entender que, se ficar em gabinete ou em casa, a economia não roda”, disparou Soares.

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Hospital Marechal Rondon, em Jardim, polo para Covid-19 na região. (Foto: ZDK News/Reprodução)

O dirigente afirma que as primeiras ações para conter o coronavírus para o empresariado começaram a ser implementadas em março. “Estamos passando de maio e Jardim não chegou a 30 casos”, declarou, sem ignorar o fato de que a vizinha Guia Lopes tem, hoje, 183 infectados e uma das maiores incidências do Brasil (1.849,4 por 100 mil), a partir de um frigorífico que é o maior empregador da cidade.

“Se fossem analisar era para ter até 800 casos”, disse, reforçando as ações de enfrentamento locais como meios de conter a Covid-19. “Isso a gente vai ver em alguns dias, quando começar um grande número inicial na estatística dos recuperados”, prosseguiu Soares. “Agora, ficar criando situação de negativismo sobre os pequenos municípios, onde pequenos comércios e autônomos são maioria, é querer acabar com a cidade”.

A defesa de Claudemyr Soares é de que ações de enfrentamento à pandemia sejam tomadas ao lado da proteção ao empresariado –onde há registros de prejuízos de 80% até 100%, com a inviabilidade de estabelecimentos. Além disso, ele cobra uma maior presença dos Governos Federal e Estadual após o esforço inicial para se “achatar a curva” de contaminados.

“Hoje o Estado não quer investir o dinheiro que tem para as unidades de Saúde estarem a postos”, afirmou. “Mandaram recursos ou estão mandando agora. Por que não mandaram em março ou abril: Agora, passando de maio, chegamos em junho e discutimos apoio a hospital?”.

Para o empresário, “o Estado quer arrumar um culpado, trancar a população em casa para não investir no que tem de fazer. Não sou contrário ao isolamento ou de formas restritivas, mas um lockdown total é um cúmulo”, disse ele, apontando que empresários da região estão dispostos a irem à Justiça ou organizarem protestos. Ele ainda argumenta que medidas de quarentena ou isolamento resultaram em queixas psicológicas da população, o que torna mais difícil a adesão ao distanciamento.

“O que faltam são ações de consciência. A sociedade de fato precisa se conscientizar de que é um inimigo que a gente não enxerga. Precisamos, sim, aplicar medidas de prevenção. Ninguém está sendo contrário a isso: todos os comércios têm na porta o álcool em gel, o uso da máscara. Mas tem aquelas pessoas que fogem à regra. O governo tem de atuar no que dá errado, não no que está dando certo. Se precisa combater quem é inconsequente, que apliquem a lei. Agora, não pode penalizar quem faz certo”, afirmou.

Por fim, Soares ainda lembrou de polêmica recente envolvendo a instalação de 5 leitos de UTI no Hospital Marechal Rondon, em Jardim, para atender a pacientes de Covid-19 da região –na qual houve polêmica sobre o custeio, o qual teria boa parte bancada por prefeituras, fato que gerou protestos do prefeito Guilherme Monteiro (PSDB) diante do repasse de R$ 1,6 mil mensais por leito vindo do Ministério da Saúde, sendo que a despesa ficaria bem acima do valor.

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