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Sem despedida: enterro da 1ª vítima do coronavírus em MS não teve velório e sepultamento foi restrito

Restrições atendem às recomendações das autoridades sanitárias para conter infecção do vírus e expõem cenário desolador prestes a se tornar comum em MS

Um luto cruel, doloroso e sem oportunidade de despedida. A pandemia do novo coronavírus expõe um lado amargo das mortes, que são os velórios vazios ou, até mesmo, inexistentes, e sepultamentos restritos. A doença, que fez o tempo “parar” em todo o mundo, cruzou o oceano teve como sua primeira vítima em MS uma senhora de 64 anos, que morava em uma cidade de cerca de 11,5 mil habitantes.

Eleuzi Nascimento, a primeira vítima fatal do novo coronavírus em Mato Grosso do Sul, morava em Baytaporã, a 312 km de Campo Grande. Ela faleceu em Dourados na última terça-feira (31). As condições de sua morte não permitiram que a família sequer se despedisse. Para eles, o ciclo do luto teve uma etapa resumida. Mas, até que ponto o sofrimento é menor?

A tradição do velório foi negada devido ao risco de contaminação. Segundo a família, o sepultamento foi acompanhado apenas por uma das filhas, que veio de Cuiabá (MT) com o esposo, quando a mãe foi transferida para Dourados. A outra filha de Eleuzi, que mora na Bélgica, não teve oportunidade de se despedir do corpo da mãe.

O transporte do corpo de Eleuzi, de Dourados para Baytaporã, necessitou de cuidados extraordinários. O caixão foi totalmente lacrado e levado direto para o cemitério da cidade. Os profissionais responsáveis pelo transporte usavam roupas especiais e seguiram as orientações previamente estabelecidas.

Jornal Midiamax conversou com a cunhada de Eleuzi – abalado, um dos irmãos da vítima, Eurico Felix, de 69 anos, preferiu não falar. Por telefone, foi Leonida do Amaral Trachta da Silva, esposa de Eurico, que concedeu o depoimento, marcado pela tristeza da perda sem oportunidade de despedida.

“A perda de um ente querido sempre é dolorida. A gente estava vendo essas notícias e sempre acha que estava longe. Aqui é uma cidade pequena, longe da muvuca de cidade grande, mas, infelizmente, aconteceu. De verdade, estamos sem chão. Reúna a perda da pessoa, a tristeza de não poder estar perto nos últimos momentos, e também no sepultamento”, pontuou.

Somado a isso, está o negacionismo que emergiu nas redes sociais após a confirmação do primeiro óbito por covid-19 no Estado. centenas de comentários exigindo publicação da certidão de óbito e questionando a veracidade da informação. A confirmação, pelas autoridades de saúde, de dois exames comprobatórios da doença seguiram ignorados em comentários. Antes do diagnóstico, a família também se apegava à possibilidade de Eleuzi não ter a doença, mas a postura mudou após os resultados.

 

“Meu marido está muito triste, ele perdeu uma irmã. Tudo isso que está acontecendo já é uma coisa tão dolorida… A verdade já basta, não precisa aumentar”, comentou a cunhada, que reforçou que Eleuzi foi, sim, vítima do coronavírus. Ela também nega que houve negligência no seu atendimento médico.

Os fatos foram repassados pacientemente à reportagem. Em 7 de março, a idosa retornou de Cuiabá, já com os sintomas gripais. Devido aos problemas respiratórios pré-existentes e como a idosa fazia tratamento para enfisema pulmonar, Eleuzi foi tratada para uma pneumonia bacteriana no Hospital da Cassems em Nova Andradina.

“Os exames acusaram que ela enfrentava isso. Ela foi tratada, melhorou e teve alta dia 23. Mas, na quarta-feira seguinte, ela levantou mal. Retornou ao hospital e fizeram o exame específico para o coronavírus. De um dia para o outro ela teve uma piora violenta e foi entubada. Daí, chegou o exame positivo. Quando ela foi para Dourados, o exame foi repetido e, novamente, confirmado”, relatou a cunhada. “Foi, sim, coronavírus, não há o que negar”, acrescentou.

Leonida relatou que parte da família, que teve contato com Eleuzi, está em isolamento por determinação dos órgãos de saúde. Uma das irmãs, inclusive, teve diagnóstico positivo para covid-19 e conseguiu superar a doença. Este, a propósito, foi mais um impeditivo para que familiares velassem Eleuzi. Uma situação desoladora, e que está prestes a se tornar cada vez mais comum em Mato Grosso do Sul.

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