Educação

Neste Dia do Professor, confira uma história de ensinamentos

rofessora tem no currículo 30 anos como educadora em escolas públicas de São Paulo; depois, veio para MS, onde também ensinou com a metodologia Paulo Freire - Bruno Henrique / Correio do Estado rofessora tem no currículo 30 anos como educadora em escolas públicas de São Paulo; depois, veio para MS, onde também ensinou com a metodologia Paulo Freire - Bruno Henrique / Correio do Estado

Às vésperas de completar 83 anos, Ayako Matsunaga é uma velhinha de fala mansa, que usa vermelho e escreve, de próprio punho, poesia e sua história de vida. Coleciona a experiência de ter trabalhado ao lado do educador Paulo Freire e visto a teoria dele sendo aplicada em assentamentos de Mato Grosso do Sul. 
Professora há quase 60 anos, ao relatar seu passado à frente de escolas, ainda no interior de São Paulo, parece descrever um momento presente, de quem era ameaçada por pai de aluno, precisava servir café ao governador quando faltava até giz em sala e preteria a polícia em prol da educação.

“Tive um incidente horrível, me marcou para o resto da vida. Um aluno trouxe um canivete no recreio e as crianças começaram a gritar. Vi que ele estava querendo furar a barriga de um menino e não tive dúvida: ‘Tragam a régua da professora’. E meti mesmo”, recorda. O aluno foi embora, mas voltou a cavalo com o pai, que ameaçou Ayako. O delegado, que foi acionado pela família da jovem professora, orientou que ela assumisse outra classe para trabalhar.

Em 1964, foi enquadrada pela polícia, que queria saber o paradeiro do diretor da escola em que ela lecionava. “Ele sumiu, a gente não sabia onde estava. E eu recebi ameaças de que, se eu não dissesse a verdade, não ia nem escolher minha cadeia”. 

Firme na luta por seus direitos e pelos de seus alunos, Ayako assume que brigava muito. “E me dizem: ‘Como você briga? É tão calma, tão boazinha’. Mas, se eu tiver que entrar, eu entro. Não tenho dúvidas”, afirma. 

A professora, que poderia ter tido uma carreira promissora na rede particular, preferia ensinar nas periferias de São Paulo. Tinha aluno bandido, mas, como mestre, enxergava não só o fragmento dos crimes, mas todo o contexto social. 

“Era diretora de escola onde a polícia não entrava. Enfrentei mesmo. A polícia vivia perseguindo o Negaça, um aluno meu, e me gritavam: ‘Dona Ayako, já colocaram o Negaça no camburão’. Eu saía e mandava tirar, dizia que ele era problema meu”, conta. De volta, ouvia dos policiais que abandonariam a escola dela de vez. 

Ayako trabalhava em uma escola estadual de São Paulo quando veio a notícia de que o governador da época reinauguraria o prédio e que ela deveria providenciar o coffee break. “Eu passei para os professores, mas disse: ‘Do meu bolso não sai um tostão’. Não tínhamos giz, era uma barbaridade, não tínhamos nada e eu ainda teria que pagar café para governador?”. 

Para melhorar o trabalho do grupo de professores que liderava, tirou um dia das aulas para que todos se sentassem ao redor dos livros. Como uma espécie de rodízio, estudavam pelo mesmo objetivo: melhorar a educação em sala de aula. “A gente trabalhou neste projeto uns dois ou três anos, mas os professores eram muito rotativos, não eram efetivos, e sim contratados”, explica.

O programa Escola Democrática Inserida no Contexto chegou ao conhecimento da prefeitura de São Paulo e ela recebeu o convite para trabalhar como assistente técnica do então secretário de Educação, Paulo Freire. “Eu tinha paixão por ele, por trabalhar o princípio da interdisciplinaridade, que são vários olhares em cima de uma realidade”, discorre. 

Usando o que tem nas mãos como exemplo, a caneta de dona Ayako tem uma flor de plástico amarela nas pontas. “Esta é a beleza de Paulo Freire, que prega a metodologia problematizadora, em que não interessa ver o fragmento flor, e sim ver o todo que envolve essa flor”.

Munida de todos os livros de Paulo Freire, dona Ayako é enfática ao dizer: “O maior problema do Brasil é a educação”. 

METODOLOGIA APLICADA

Ao se aposentar, depois de 30 anos trabalhando em São Paulo, a professora veio para Mato Grosso do Sul e iniciou aqui, em 1995, um trabalho que até implantaria escola itinerante em barracas do Movimento Sem Terra. “A minha irmã disse: ‘Ayako, tem uma reunião do movimento, um congresso estadual, vamos? Ali eu percebi que eles eram democráticos, buscavam entender o mundo, tinham vontade, mas não tinham conhecimento de Paulo Freire e suas metodologias”, recorda.

Aí começaram as andanças por assentamentos e acampamentos no trabalho de educação e formação. “Abriram uma escola itinerante na beira da estrada, mas não sabiam como formar uma escola. Eu disse que sabia, fiz todos os registros de matrícula, de chamada, todo o bê-a-bá”, descreve. Um ano depois do funcionamento, a escola em Itaquiraí foi regularizada na Secretaria de Educação do município. “E, quando o secretário viu aquilo, disse: ‘Nem na cidade tenho escola tão organizada assim’”. Dona Ayako guarda o elogio até hoje.

São 23 anos de educação e formação de educação básica junto à população que luta por terra. Até hoje, ainda há alunos que lhe batem à porta, no Bairro Autonomista, em Campo Grande, pedindo orientação quanto às teses de mestrado. 

Ayako não se casou nem teve filhos, mas soube desde sempre enxergar nos alunos sua descendência. “Eu passava em São Paulo e sempre tinha alguém buzinando: ‘Oi, professora!’. Foi muito bonito e é, e aqui, com meus alunos, tem rapazes que eu tenho admiração e esperança neles e nelas, as mulheres que são fortes”. 

Muito mais que ensinar, dona Ayako aprendeu com o movimento. “A prática deles, o dia a dia que casou com a teoria de Paulo Freire. Hoje se trabalha praticamente sem metodologia; vem o livro explicando como faz e acabam seguindo. Eu penso que tem professor que chega à aposentadoria sem consciência nenhuma do seu papel”.

Quanto ao papel do professor, Ayako responde: “É o de formar, de trabalhar pela cidadania plena, pelo cidadão, por seus direitos e deveres”.

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