Esporte

Samba, futebol, paixão e dívida: Arena Corinthians completa um ano

“Itaquera, meu orgulho, meu amor. O estádio do Corinthians, a Cohab e o metrô”. Este foi, em 1990, o refrão do enredo da escola de samba Leandro de Itaquera, que carrega no nome o orgulho de um bairro que vale por uma cidade inteira, com 520 mil habitantes - mais do que Florianópolis e Santos, por exemplo.

O metrô do refrão chegou em 1988. A Cohab (complexo de moradias populares de São Paulo) surgira anos antes. Já o estádio... esse demorou. E muito. Mas saiu do papel e, nesta segunda-feira, completa um ano de sua inauguração - com uma derrota por 1 a 0 para o Figueirense, pelo Brasileirão.

A gestação daquela que viria a ser conhecida como "a casa do povo" foi turbulenta desde o início. O terreno onde hoje está a Arena Corinthians foi cedido ao clube em 1988, quando entrou em operação a estação Corinthians-Itaquera do metrô.

A promessa era de que a obra deveria ser iniciada em cinco anos, algo que não foi cumprido - e que gerou ação do Ministério Público, que obrigou a diretoria a assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) em que se compromete a investir R$ 12 milhões em contrapartidas ao município até 2019 para manter a posse da área.

Isso vem sendo feito. Assim como há o esforço para que se pague em dia o financiamento da obra (veja mais abaixo).

O curioso é que o estádio, palco de uma abertura de Copa do Mundo, não ficou pronto até hoje. Na última quarta-feira, data do jogo de volta contra o Guaraní, pelas oitavas de final da Libertadores (coincidentemente, a segunda derrota do Corinthians em sua história na Arena, também por 1 a 0), nem era preciso procurar muito para dar de cara com setores inteiros ainda inacabados.

Um ano depois, o estádio precisa de ajustes para ser considerado 100% pronto. De acordo com a construtora Odebrecht, faltam apenas seis itens para a conclusão da casa alvinegra:

– Instalação dos cinco postes nos estacionamentos descobertos;

– Conclusão das bases que suportam os telões Norte e Sul;

– Término das cabines de imprensa no nível 10;

– Conclusão dos revestimentos nos pisos e forros nos níveis 6, 8 e 9;

– Conclusão do Centro de Convenções (nível 6);

– Conclusão das esquadrias.

As últimas entregas foram o telão Sul, de 30 metros de comprimento por 7,5 metros de altura, e da cobertura dos setores Leste e Oeste. Os vidros das pontas sofreram atraso na instalação por um motivo insólito: Andrés Sanchez, atual superintendente do clube, vetou os primeiros vidros encomendados porque eles ficavam esverdeados sob a luz do sol. Houve demora na compra de outras unidades, desta vez transparentes.

No entorno do estádio, porém, as melhorias foram significativas para a população.

A justificativa para a liberação da linha de financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) era justamente a de levar melhor infraestrutura e empregos para a região, que, na virada do século passado, era uma grande chácara, mas que passou por um grande "boom" demográfico a partir dos anos 1950.

Assim como a construção das primeiras moradias da Cohab e a chegada do metrô, o estádio já é visto como um marco para o progresso da região. O bairro carece de obras estruturais, mas as mudanças dão esperança.

– O estádio deu visibilidade mundial para Itaquera. Antes as pessoas tinham vergonha de dizer que moravam aqui. Agora até quem mora nas regiões próximas fala que é do bairro. O Corinthians não tinha um lugar melhor para morar – destacou Luiz Carlos Santos, o Luizinho de Itaquera, 61, um dos compositores daquele samba de 1990.

– Itaquera vai ser mostrada para o mundo outra vez (em 2016, durante a Olimpíada). A Zona Leste é a bola da vez. Qual era a nossa referência? Nenhuma. Estive em Rondônia e disse por lá que eu morava perto do campo do Corinthians. Todos conheciam – exaltou João Alexandre da Silva, 56 anos, presidente da Associação dos Mutuários e Moradores da Cohab 1, que fica ao lado do estádio.

O conjunto habitacional liderado por João, que é são-paulino, abriga cerca de 80 mil pessoas e tem vista privilegiada da Arena.

Se o líder da associação não desfruta da torcida pelo Corinthians, há quem se pendure nas janelas dos prédios nos dias de jogos para participar da festa como pode.

– É emocionante ver a torcida chegando – conta Alaíde Rodrigues, 78, secretária da associação e corintiana fanática.

PORTAS ABERTAS À COMUNIDADE

O Corinthians tem sido um "bom vizinho", segundo o subprefeito de Itaquera, Maurício Martins. O clube abriu as portas de sua arena para a comunidade do entorno. Em novembro do ano passado, o local recebeu a final de um torneio infantil de futebol, com ingressos distribuídos para moradores da região.

No próximo dia 29, um dos salões do estádio será utilizado pela prefeitura paulistana para um evento da entrega de 600 títulos de posses a moradores de Itaquera e Guaianases, documento que regulariza a moradia em que essas famílias vivem.

A pretensão é ampliar essas parcerias. Um projeto, que ainda depende da aprovação da diretoria alvinegra, é realizar na arena uma festa de debutante coletiva para 40 garotas. Os "príncipes" seriam jovens das categorias de base corintiana, com quem elas dançariam a valsa.

INFRAESTRUTURA

A Copa do Mundo, que teve o estádio do Corinthians como sua sede em São Paulo, deixou marcas em Itaquera. As mais visíveis são as obras viárias, um investimento de R$ 610 milhões dos governos estadual e municipal. Foram construídos um túnel, alças de acesso, novas avenidas e passarelas no entorno do estádio.

Uma das reclamações recorrentes entre moradores é o fato de Itaquera servir como “bairro-dormitório”, com pouca oferta de empregos, obrigando as pessoas a se deslocaram diariamente a locais mais distantes. Em 2013, o prefeito Fernando Haddad sancionou lei que dá benefícios a empresas de ramos específicos (como de call centers e telemarketing) que se instalarem na região. A promessa é de 50 mil novos postos de trabalho. Procurada, a assessoria de imprensa da Prefeitura não informou quantas vagas já foram criadas.

CONTRAPARTIDA SOCIAL

Por um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado com o Ministério Público de São Paulo e com a Prefeitura Municipal em 2011, o Corinthians se comprometeu a investir R$ 12 milhões na região da Zona Leste como contrapartida pela cessão do terreno do estádio onde foi construída a Arena. Até 31 de dezembro de 2014, a obrigação do Timão era a de investir R$ 4 milhões. Depois, até 2019, a cota final de R$ 8 milhões.

Até o fim do ano passado, o clube realizou reformas em três unidades desportivas, chamadas de Clubes da Comunidade (CDC's): "São Luiz II", em Artur Alvim, "Lá Vai Bola", no Jardim das Carmelitas e "Prol Leste", em Itaquera. O valor correspondeu a cerca de R$ 700 mil.

A última obra que completaria a primeira cota é a de uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), em um terreno cedido pela Prefeitura. Dois problemas, porém, atrasaram a conclusão: a remoção de uma família que ocupava a área e a necessidade da retirada de algumas árvores do terreno, o que exigiu a obtenção de uma licença da Secretaria do Verde e Meio Ambiente. Segundo o MP-SP e o próprio Timão, as obras já foram iniciadas, embora o dinheiro não tenha sido todo repassado. O local está localizado no bairro Conjunto Residencial José Bonifácio.

O termo de 2011 assinado entre Corinthians, Prefeitura e Ministério Público colocou fim a um longo e antigo processo movido pelo MP-SP contra a cessão do terreno por 90 anos ao clube alvinegro (formalizada por lei em 1988), já que ele não vinha sendo utilizado para o fim definido no ato da doação: ser um estádio de futebol. Mais tarde, em 2010, quando o local foi escolhido para sediar a abertura da Copa do Mundo de 2014, as partes chegaram a um acordo diante do compromisso firmado pelo Corinthians de investir na região.

AGORA TEM DE PAGAR...

Se vem cumprindo sua função social com a comunidade de Itaquera, o Corinthians se mexe para pagar em dia o financiamento da obra. A conta é alta. Toda a renda proveniente das bilheterias vai para um fundo destinado à quitação da dívida. A eliminação precoce na Libertadores foi um baque, já que a diretoria contava com o dinheiro dos ingressos.

O GloboEsporte.com reuniu 11 tópicos - com perguntas e respostas - sobre o projeto da Arena, desde sua concepção até a operação para pagamento do financiamento. Confira:

Como era?

No projeto inicial, lançado em 2011, o Corinthians pagaria o estádio da seguinte maneira: R$ 400 milhões viriam de um financiamento do BNDES, pago dentro de um prazo de 12 anos, e outros R$ 420 milhões pelos CIDs (Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento) liberados pela prefeitura de São Paulo. O blogueiro Emerson Gonçalves, do GloboEsporte.com, explicou o assunto em 2011 (clique aqui).

Tá, e aí?

O problema é que o BNDES só libera o dinheiro usando uma instituição financeira, o chamado “banco repassador”. O Corinthians demorou a encontrar esse elo de ligação e viu os custos aumentarem bastante, enquanto a obra era tocada sob a pressão da Fifa para que tudo ficasse pronto antes da Copa do Mundo. Depois de o Banco do Brasil recusar os termos do consórcio, a Caixa aceitou o acordo, mas já era tarde.

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