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É humano deixar esse bebê morrer? Quem tomará decisão?

A vida durante a gestação, no nascedouro, e em suas etapas finais, quando não se sustenta sozinha, provoca dilemas éticos respondidos de diferentes maneiras.

Em geral, quem é a favor da interrupção da gravidez também defende a eutanásia, a ortanásia e variantes. São os humanos decidindo como, e se, nascer e como morrer. E vice-versa.

De qualquer lado que alguém estiver, é quase insuportável olhar para a carinha de Charlie Gard, fofo como todos os bebês de dez meses, e aceitar que os aparelhos que o fazem respirar sejam desligados.

Mas os médicos responsáveis pelo Great Ormond Street Hospital, em Londres, a Suprema Corte da Inglaterra e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos coincidem na mesma conclusão: desligar os aparelhos é o melhor para o bebê.

Charlie sofre de uma síndrome mitocondrial raríssima, uma doença da família que afeta o mecanismo celular de transmissão de energia para músculos e cérebro. Não respira nem se mexe sozinho, não enxerga nem ouve.

Os pais dele, Chris Gard e Connie Yates, não aceitam a decisão. Fizeram uma campanha para tentar um tratamento extremamente experimental nos Estados Unidos, jamais tentado em seres humanos, e levantaram o equivalente a 7 milhões de reais.

Querem que o filhinho seja mantido vivo para a viagem. Ou levá-lo para casa e, daí, desligar os aparelhos. Quem pode condená-los?

"Como o juiz cujo triste dever é tomar esta decisão, sei que este é o dia mais sombrio para os pais de Charlie", escreveu o juiz Nicholas Francis, da Suprema Corte inglesa, na decisão do fim de abril.

"Só espero que, com o tempo, eles venham a aceitar que o único curso a seguir em nome dos melhores interesses de Charlie é deixá-lo partir em paz". Quem pode condená-lo?

O papa e Donald Trump, cada um a seu modo, interferiram em favor de Charlie. Francisco acompanha com "afeição e tristeza" o sofrimento dos pais de Charlie. "Se pudermos ajudar, ficaríamos encantados", tuitou Trump.

A Igreja católica é praticamente a única fonte doutrinaria com argumentos contra a interrupção voluntária da vida. Mas aceita a ortanásia, a interrupção de tratamentos em fase terminal de doenças.

O papa João Paulo II, hoje santo, foi um exemplo disso: seguiu seu caminho até o difícil fim, mas não quis ser submetido a medidas extremas, os recursos formidáveis da medicina para manter e salvar vidas, mas que também podem prolongá-las inutilmente.

Como o ser humano costuma querer evitar o sofrimento, e nunca houve tantos recursos para isso, prevalece hoje a ideia de morrer sem sofrer. Ou pelo menos sem sofrer demais.

Com famílias menores, muitas pessoas também rejeitam a hipótese de se tornar um ônus, de sobrecarregar filhos ou netos.

Na prática, a clareza moral sobre a hora de desligar os aparelhos é menor. Ou aprovar o suicídio assistido. Os casos mais extremos acontecem na Holanda, onde a eutanásia legal foi aprovada no ano 2000.

Uma jovem na casa dos vinte anos recebeu autorização cometer o suicídio assistido por causa das consequências psicológicas que tinha por ter sofrido abuso na infância. O argumento foi de stress pós-traumático irrecuperável.

Mark Langedijk também usou o argumento da irrecuperabilidade para se suicidar com ajuda médica. Era alcoólatra e tinha feito inúmeros tratamentos. Passou as últimas horas, em julho do ano passado, com a família, tomando cerveja e comendo sanduíches. Tinha 41 anos.

Sua decisão está inextricavelmente ligada ao caso de Charlie, o bebê que não pode decidir nada. Em que momento a vida pode ser interrompida, desligada ou apagada? Qual o limite entre humano e desumano?

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