POLÍTICA

Debatedores defendem exceções à guarda compartilhada em casos de violência

Marta Suplicy participa do debate da comissão mistaJefferson Rudy/Agência Senado Marta Suplicy participa do debate da comissão mistaJefferson Rudy/Agência Senado

Debatedores de audiência pública da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM) defenderam na quarta-feira (9) a adoção de exceções à guarda compartilhada obrigatória dos filhos, prevista em lei, em casos de violência doméstica.

Os desafios e possibilidades do compartilhamento da guarda frente à violência doméstica foram tema do debate, sugerido pela relatora da comissão, deputada Luizianne Lins (PT-CE).

A divisão da custódia dos filhos de pais separados é regulamentada e definida como obrigatória pela Lei da Guarda Compartilhada (Lei 13.058, de 2014).

Essa obrigatoriedade, contudo, é inconciliável em casos de violência doméstica, segundo a psicanalista clínica Ana Maria Iencarelli.

Uma criança não pode se sentir bem e ter estabilidade emocional dentro do ambiente do agressor da mãe. É impossível essa conciliação, ou seja, a obrigatoriedade da guarda compartilhada em situação de litígio.

Para a psicanalista é "ilusório" pensar que a guarda compartilhada irá aproximar os cônjuges que estão em litígio. Ana Maria explicou ainda que a Organização dos Estados Americanos (OEA) recomenda que em casos de suspeita de abuso sexual ou violência doméstica não pode haver mediação ou conciliação.

Como é que uma mãe que tem medida protetiva vai entregar o seu filho para o seu agressor? — questionou.

Ana Liési Thurler, doutora em Sociologia das Relações Sociais de Gênero e consultora em Direitos Humanos das Mulheres, pontuou que na maioria das vezes a violência contra a mulher é presenciada pelos filhos e, por isso, acaba sendo também uma violência contra as crianças e adolescentes.

Para funcionar de forma adequada, a guarda compartilhada deve ser desejada pelas duas partes da relação e deve ainda passar por uma educação não sexista, segundo a socióloga.

Eu acredito que deve haver a guarda compartilhada quando aquela família já tem um histórico de cuidados e responsabilidades compartilhados, quando ninguém precisa interferir e as próprias pessoas querem.

Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, afirmou que a visitação prevista em um cenário de guarda compartilhada tem sido um grande ponto de vulnerabilidade para mulheres em situação de violência.

Na prática, nós sabemos que os autores de violência usam a visitação para se aproximar das mulheres. O interesse [do homem] é realmente a criança ou é manter um vínculo com a mãe? — questionou.

O compartilhamento da guarda, segundo Flávia, gera uma insegurança jurídica quando existe, por exemplo, uma medida protetiva de afastamento.

Ela informou, contudo, que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que as situações de conflito não impedem a aplicabilidade do compartilhamento.

— Se nós tratarmos isso [a violência doméstica] como um conflito estaremos minimizando a situação de violência, que é uma violação contra os direitos humanos da mulher — afirmou.

Para Flávia Nascimento, enquanto não houver uma previsão expressa na Lei da Guarda Compartilhada excepcionando os casos de violência doméstica, a legislação impedirá que a mulher rompa com o ciclo de violência a que é submetida.

Dados de um estudo de 2015 sobre as medidas protetivas deferidas em casos de violência doméstica no estado do Rio de Janeiro foram apresentados por Flávia Nascimento.

A pesquisa indicou que, apesar de previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), as medidas de regulamentação de visitas e a pensão alimentícia provisória são encaminhadas para as varas de família.

Nos juizados familiares, segundo a pesquisa, estas medidas não são tratadas com urgência e passam por processos burocráticos. Além disso a mulher é obrigada a buscar por mais um serviço de atendimento.

Para a relatora da comissão, que sugeriu a realização do debate, embora um longo caminho já tenha sido percorrido até a sanção da lei, ainda é necessário muito mais para a transformação cultural de comportamento e respeito às mulheres e a ruptura com o machismo.

Luizianne defende que é preciso avaliar a legislação, e, sobretudo, "reunir forças para garantir a efetividade dessa lei".

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