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Não é só tarifaço: governos de Brasil e México reconstroem relações desde 2023

Comércio bilateral cresce desde então. - Crédito: Ricardo Stuckert/PR Comércio bilateral cresce desde então. - Crédito: Ricardo Stuckert/PR

Brasil e México estão preparando a revisão de protocolos comerciais cujas regras já têm mais de 20 anos. O objetivo é atualizar acordos de complementação econômica e de cooperação e facilitação de investimentos. Este foi uma das principais tarefas da missão brasileira no México, chefiada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, na semana passada.

Esse trabalho foi iniciado desde, pelo menos, setembro do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderou outra missão diplomática e comercial no México. Lula conjugou a sua presença na cerimônia de posse da então recém-eleita presidenta mexicana, Claudia Sheinbaum, com a visita de uma comitiva de lideranças brasileiras. A tarefa era abrir novos mercados. Lula participou então de diálogos com o empresariado mexicano, acompanhado por empresários brasileiros de diferentes setores.

A mais recente missão liderada por Alckmin, portanto, não é uma simples resposta ao tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil - e também ao México -, embora tenha relação óbvia com as ameaças vindas de Washington. É um movimento anterior.

Lula manteve boas relações com o ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, que pertence ao mesmo partido da atual líder. Ainda pré-candidato à Presidência do Brasil, em março de 2022, Lula foi recebido pelo mexicano na sede do governo local. Desde sua posse, Lula e seu governo têm reconstruído relações políticas e comerciais com o México.

As exportações brasileiras de carne bovina, por exemplo, cresceram 250% para aquele destino desde então, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Em 2023, o comércio bilateral bateu recorde, superando US$ 14 bilhões.

Da visita de Alckmin e outros ministros brasileiros ao México resultou o compromisso bilateral de atualizar as regras de comércio entre as duas nações, eliminando entraves e práticas que o tempo criou. Segundo o vice-presidente, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços,  os  dois países têm muito mais potencial do que o comércio atual entre ambos reflete.

Estamos trabalhando com o México para atualizar e ampliar os acordos de comércio exterior e investimento. Eles têm mais de 20 anos. No caso do ACE-53, cobre praticamente 12% do fluxo bilateral. Uma cobertura pequena. Foi feito um entendimento para discutir a ampliação”, explicou Alckmin.

ACE-53, ou acordo de cooperação econômica, citado pelo vice-presidente, trata de redução ou eliminação de tarifas de importação de aproximadamente 800 linhas tarifárias de produtos não automotivos. Outro ACE que vai passar por revisão é o de número 55, que trata de produtos da cadeia produtiva de automóveis. 

Vai passar por atualização também o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos, que trata de regras para diversos outros segmentos industriais, comerciais e de pesquisa.

O cronograma de negociações trazido por Alckmin ao Brasil prevê que os debates entre os setores produtivos brasileiro e mexicano, com a participação de autoridades governamentais, será concluído em julho do ano que vem. Os novos acordos serão assinados pelos dois países em agosto de 2026, segundo o mesmo cronograma.

Os dois governos não divulgam prognósticos de quanto o comércio entre os dois países aumentará, em volume e receita. Enquanto os acordos não forem formalmente concluídos, as empresas brasileiras e mexicanas tendem a elevar as transações desde já, em virtude dos diálogos abertos. A corrente de comércio - soma de todas as trocas - entre as duas maiores economias da América Latina em 2024 foi de US$ 13,6 bilhões, considerada pequena diante das possibilidades.

Não tenham medo, exorta Lula

Antes mesmo de sua visita oficial ao México em setembro do ano passado, o presidente Lula já anunciava a empresários brasileiros o projeto de ampliar mercados com aquele país. Em encontro em abril de 2024, reunindo o empresariado chileno e brasileiro, ele exortou que se superasse o medo e as velhas práticas , e sinalizou que estava em busca de novos mercados não só no Chile.

Esse não é momento de ficar com medo, é o momento de criar coragem e decidir o que queremos ser. O nosso crescimento econômico depende, exclusivamente, da nossa vontade de crescer e de construir relações estratégicas”, disse o presidente.

Em outros encontros setoriais naquele período, o presidente brasileiro citara mais de uma vez a resistência de empresários brasileiros e mexicanos à abertura e ampliação de negócios comerciais entre os dois países. Lula chamou a atenção para a sombra imaginária projetada pelo Estados Unidos.

Segundo ele, durante encontros que havia tido, em seus mandatos anteriores, com negociadores brasileiros e mexicanos, ficara evidente o receio das duas partes em perder espaço no mercado estadunidense, caso uma se sobrepusesse à outra.

Quando esteve no México, em setembro, Lula afirmou, a uma plateia de empresários, em encontro promovido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil):

Eu não quero brigar com os Estados Unidos. Não quero brigar com a China. Eu quero é fazer negócios. Quero que nossas indústrias, nossas agriculturas cresçam. Temos, agora, que gerar uma maior irmandade entre Brasil e México. O México tem que olhar mais para o Brasil e o Brasil para o México”, afirmou Lula

“Eu penso que vocês, companheiros empresários, não têm que ter medo, sentem em volta de uma mesa, vejam quais são os problemas que dificultam as nossas relações comerciais e vamos ver se a futura presidente da República e eu temos sabedoria de fazer com que as mudanças possam beneficiar o povo do México e o povo brasileiro”, acrescentou

Naquele momento, o presidente dos Estados Unidos era Joe Biden. Na conclusão de sua fala, o presidente brasileiro defendeu a revisão dos acordos comerciais entre os dois países, celebrados em seus primeiros mandatos, e nunca mais dinamizados. Essa revisão passa a acontecer agora, após visita de Alckmin ao México.

Daqui para a frente

A presidenta Claudia Sheinbaum demonstrou otimismo com as negociações em andamento. Após receber Geraldo Alckmin da Cidade do México, ela declarou, em postagem em suas redes sociais:

“Recebemos a delegação do Brasil chefiada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Nesses dias, houve reuniões muito produtivas entre autoridades e empresários brasileiros e mexicanos para fortalecer a cooperação em desenvolvimento científico, econômico e ambiental. Os dois países também compartilharam experiências para impulsionar a industrialização”.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o governo mexicano assinaram um documento que trata da cooperação no desenvolvimento e na pesquisa e produção de vacinas e terapias baseadas na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA). De forma complementar, Brasil e México vão modernizar processos regulatórios e ampliar o acesso a tecnologias de saúde seguras e eficazes.

O acordo foi selado em cerimônia que contou com assinatura de Alckmin e do secretário de Saúde do México, David Stalnikowitz. Pela Fiocruz, assinou a vice-presidente Priscila Ferraz Soares. Pelo lado mexicano, representantes do Ministério da Saúde e da estatal Birmex, laboratório responsável pela produção e distribuição de vacinas no país.

Geraldo Alckmin destacou que unir a excelência científica do Brasil com a capacidade do México em uma tecnologia de ponta como o mRNA significa mais saúde e autonomia para as duas maiores democracias e economia da América Latina.

"Esta parceria é um marco para a soberania sanitária dos dois países", afirmou o vice-presidente, ao explicar que a cooperação está alinhada à Missão 2 da Nova Indústria Brasil, que busca fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Ele acrescentou que unir a excelência científica do Brasil com a capacidade do México em uma tecnologia de ponta como o mRNA significa mais saúde e autonomia para as duas maiores democracias e economia da América Latina.

Um memorando de entendimento foi assinado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Comissão Federal para a Proteção contra Riscos Sanitários (COFEPRIS) do México. O acordo abre caminho para a modernização dos processos regulatórios e a ampliação do acesso a tecnologias de saúde seguras e eficazes.

“Vamos ganhar tempo para ter respostas mais rápidas e reduzir custos com uma boa sinergia, uma boa parceria. A Anvisa e a Cofepris vão atualizar o seu memorando para a gente avançar mais”, antecipou Alckmin.

O memorando abrange produtos essenciais como medicamentos, dispositivos médicos, cosméticos, alimentos e bebidas, além de suas matérias-primas. A parceria inclui diversas ações, como a troca de informações sobre boas práticas de fabricação, farmacovigilância e alertas sanitários.

O memorando que trata de biocombustíveis é a base para futuras ações de cooperação, com o objetivo de impulsionar o crescimento do setor no México, aproveitando a reconhecida experiência do Brasil na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar.

A parceria prevê intercâmbio de experiências e transferência de tecnologia, equipamentos, metodologias e experiências entre os dois países para acelerar o desenvolvimento do setor de matérias-primas e da indústria de biocombustíveis, estimulando a captura e armazenamento de carbono a partir da bioenergia.

Segundo o Governo, isso abre caminho para o crescimento ordenado e sustentável da produção de biocombustíveis, como etanol, SAF e combustíveis marítimos sustentáveis.

A cooperação integra a ampla estratégia do Brasil de aprofundar a integração econômica com o fortalecimento de parcerias em setores estratégicos, gerando benefícios recíprocos às duas maiores economias e democracias da América Latina.

Foi assinado memorando de entendimento sobre cooperação entre o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e as autoridades mexicana. O memorando trata de interesses de áreas mútuas entre os países na produção agrícola e pecuária, acompanhamento técnico de pequenos e médios produtores, soberania alimentar, sanidade animal e vegetal, promoção de pesquisa e inovação tecnológica, financiamento e seguro rural, além de instrumentos que facilitem a comercialização de produtos agrícolas.

Desde 2023, o comércio de alimentos entre Brasil e México vem crescendo. O ministro Carlos Fávaro destacou os avanços já alcançados.

"A abertura do tão sonhado mercado de carne bovina e suína no México já vem trazendo resultados muito positivos para ambos os países. No caso do Brasil, após o período de consolidação dessa abertura, empresas privadas começaram a efetivar negócios, resultando em um crescimento de aproximadamente 250% nas exportações de carne bovina em apenas 2 anos e 8 meses. No mesmo período, as vendas de carne suína aumentaram 95% e as de frango, 14%. Esses avanços são benéficos não apenas para o Brasil, mas também para o México", disse.

Ainda segundo o Mapa, o Brasil poderá exportar farinhas bovina e suína para o México e importar de derivados de atum mexicanos. Além disso, o governo mexicano se comprometeu com a regionalização, em caso de gripe aviária, para a comercialização de produtos de aves. 

Também está prevista para os próximos meses auditorias mexicanas para habilitação de novas plantas frigoríficas brasileiras de bovinos, aves e suínos para a comercialização para o México.

A comitiva que acompanhou Alckmin foi composta pelos ministros Fávaro e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), além da secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, Maria Laura. Participam ainda os presidentes da ApexBrasil, Jorge Viana; da Conab, Edegar Pretto; o diretor-presidente substituto da Anvisa, Rômison Mota; e representantes do Ministério da Saúde, Fiocruz e Instituto Butantan; da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e mais de 100 empresários.

 

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