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Socióloga cobra posições de destaque e ainda vê muitas mulheres "em chão de fábrica"

Alzira Saleti Menegat cobra fortalecimento de políticas públicas e também posições de destaque para mulheres - Crédito: Dourados News Alzira Saleti Menegat cobra fortalecimento de políticas públicas e também posições de destaque para mulheres - Crédito: Dourados News

Lutas, conquistas, políticas públicas, conservadorismo, violência doméstica, relacionamentos, política. São vários os pontos abordados nessa entrevista especial pelo Dia Internacional da Mulher com Alzira Saleti Menegat, professora da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), que possui graduação em História, mestrado e doutorado em Sociologia.

Para a socióloga, 08 de março é um dia de relembrar conquistas da categoria feminina e mais ainda de fortalecer a luta para que se tenha uma sociedade mais igualitária, que reconheça as mulheres.  

Ela acredita ainda que é necessário refazer a cultura que ainda persiste da dominação do homem sobre as mulheres, para que se possa criar uma outra cultura.

A professora que também é pesquisadora extensionista, tem desenvolvido trabalhos voltados para questões de gênero, associabilidade, religiosidade, meio ambiente, divisão do trabalho, entre outros. 

Para ela, a Lei Maria da Penha, representa um avanço e acaba suscitando uma série de discussões sobre uma questão que anteriormente era tratada como algo “entre quatro paredes”, mas muito ainda precisa ser feito, pois a medida vem para punir o agressor, quando a violência já aconteceu.

O fato do “domínio masculino” ainda prevalecer é apontado por ela como uma grande problemática para a sociedade, sendo que “as próprias mulheres às vezes interiorizam isso e partem para uma ‘negociação’ na qual se subordinam, sem se darem conta”.

Veja a entrevista na íntegra:

- Existem muitas controvérsias sobre como foi estabelecido o Dia da Mulher, em 08 de março. Como foi dada a origem a essa data?

Ao meu ver é resultado de um acúmulo de eventos que vinham ocorrendo ao longo da história da humanidade, mas principalmente na segunda metade do século 19, quando mulheres passaram a levar para as ruas a sua condição de  subordinação, de exclusão social. O século 20 foi muito marcado por esses eventos, por essas resistências das mulheres, então pensar que 8 de março é uma data que está inerente a um único evento é um equívoco! Foi um acúmulo de acontecimentos que culminou nessa data. Sim, tem uma série de compreensões, uma dessas ligam ao problema do que aconteceu dentro de uma fábrica, na qual as mulheres foram mortas pelas condições precárias de trabalho que aconteceram lá. Há uma compreensão que se teve uma grande manifestação de mulheres nas ruas, mas, não foi um único evento. Essa data vem como uma representação do que vinha acontecendo ao longo dos tempos, que as mulheres colocavam a sua dominação para a sociedade, colocavam isso nos termos das manifestações de ruas, das manifestações das fábricas, nas resistências que elas imprimiam, então não tem um único significado, a partir de um único evento, mas o acúmulo de resistências, que elas imprimiam durante décadas e que culminaram com o registro dessa data não como uma data para ser comemorada, mas uma data de luta. 08 de março é o dia em que nós no cotidiano, fomos ressignificando que é um dia da gente dar flores para as mulheres, da gente lembrar da existência da mulher, mas não. Para as mulheres, 08 de março é um dia de luta é um dia que a gente vai pontuando as conquistas e, principalmente os problemas que ainda existem em relação ao reconhecimento da mulher, enquanto uma sujeita social, uma mulher que está ali participando de uma sociedade e que carece ainda de muitos direitos e de reconhecimento sobre o que ela faz. Então essa data ao meu ver é um dia de colocar para a sociedade as grandes mazelas que ainda perpassam na vida das mulheres brasileiras e que não são postas só para elas, pois veja, todo momento que a gente tem uma violência contra a mulher, não é só contra a mulher, existe um desdobramento para a sociedade. Não só dentro da casa dela, pois os filhos dela e dele vão assistir, mas isso traz muitos resultados, muitas mazelas para a sociedade. Então 08 de março é um dia da gente relembrar e também se fortalecer na luta para que tenhamos uma sociedade mais igualitária, uma sociedade que reconheça as mulheres

A Maria da Penha é uma lei que possibilita trazer, desde a criação, trazer para o cenário social, tudo que era em quatro paredes. A violência contra as mulheres é algo que esteve presente ao longo de toda a história brasileira, história mundial, então se você procurar bibliograficamente, você vai encontrar no Brasil Colônia, no Brasil Império, no começo da República, nas fábricas de tecelagem, mas sempre se colocou que em “briga de marido e mulher, ninguém deveria se intrometer”. Essa foi uma normativa interiorizada por muito tempo, até pelas próprias mulheres, que se entendiam às vezes como culpadas por determinadas situações e muitas ainda se entendem como culpadas. Uma dominação que foi interiorizada ao longo dos tempos pelas mulheres, pelos homens, sem se darem conta do que isso traz de prejuízo, não apenas em uma relação, dentro de um determinado espaço doméstico, mas de como isso se responde em termos de sociedade. Então a Maria da Penha tem algo que foi fundamental: trazer a visibilidade da violência contra as mulheres como um problema da sociedade e não de um casal específico, de um lugar privado, mas de uma sociedade que precisa agir contra a violência, esse é um grande ganho da Maria da Penha. Talvez esse seja um aspecto que tenha suscitado inúmeros questionamentos não só em termos da sociedade que passa de certa forma achar que isso é um “deleite” das mulheres que estão ali e que talvez elas mesmos provoquem isso, como se o poder masculino fosse incomensurável. Então não dá para pensar, uma relação de violência dentro da sociedade, dentro de um espaço privado como se esse não fosse um problema da sociedade. Então falar sobre a violência contra as mulheres, é falar de um processo histórico. Essa semana mesmo eu vi uma reportagem num jornal local, falando de um assassinato, o qual até mostrando imagens de uma mulher sendo assassinada em pleno final de tarde, após uma separação, aí a reportagem dizia “uma fatalidade” que aconteceu, não existe fatalidade, existe um processo em curso que é penoso para todas as pessoas. Para essa mulher que está perdendo a vida, pois ela quer se separar deste homem que é agressivo e está querendo reiniciar a vida e esse homem imprime uma violência sobre o corpo dessa mulher que para ele, é dele. Tanto é, desta forma, que ele a mata, pois ele foi ensinado que ele tinha que ser o “dono” daquele corpo, então a violência contra as mulheres foi apresentada de forma mais explícita para a sociedade a partir da lei Maria da Penha e essa lei acaba suscitando uma série de discussões, de pessoas a favor e de pessoas contra, pois temos uma sociedade patriarcal. Nossa formação é dentro desse domínio masculino. As próprias mulheres às vezes interiorizam esse domínio masculino e partem para uma negociação na qual se subordinam, sem se darem conta. Hoje existe o costume de se ouvir em caso de estupro, alguma consideração como “mas também a roupa que ela estava”, “mas também olha a conduta dela ao beber”, como se essa mulher, tenha que ter aquele padrão estabelecido e não uma identidade enquanto mulher. Então cabe perguntar de quem é o corpo da mulher? É dela mesmo ou é da sociedade? Essa é uma grande questão que vem atrelada a Maria da Penha e veja, essa lei foi aprovada no âmbito brasileiro, a partir de toda uma discussão que vem dos tribunais externos dos quais o Brasil é signatário. Então é uma lei que vem de fora para dentro, pois não se conseguia aprovar isso no âmbito nacional, então se buscou os fóruns internacionais e então se passou a ser possível. Veja o quão suscitou de debates uma lei que mexe com uma ideia já consolidada de que essa mulher passa sobre um ‘domínio’ dos homens. Aos homens também isso é penoso, pois muitos foram ‘educados’ a essa superioridade, então vem essa visão equivocada como se ele fosse o dono dessa mulher. Há uma relação construída a partir de uma desigualdade e por isso que se tem ainda a ideia de que a mulher em muitas situações, ela “ajuda”. É muito comum a gente ouvir essa expressão: o meu companheiro em casa, me ajuda! Mas como? Ele também não suja a casa? Então como ele pode ‘ajudar’, se ele é participante ali. Mas é costumeiro a gente ouvir frases de mulheres, nesse sentido. 

O direito ao voto, poder se divorciar, são algumas das conquistas das mulheres ao longo dos anos.  Quais outras destacaria que impactam gerações?

Tem duas que considero fundamental. A primeira é a entrada das mulheres no mundo do trabalho com uma significância maior a partir das décadas 60, 70. Quando as mulheres passaram a deixar um mundo digamos ‘privado’ e ingressar no mercado de trabalho. Isso é importante, pois a medida que foram para o mercado de trabalho, elas passaram a ser gestoras, ter seu próprio dinheiro, isso é emancipatório. Se fizer um levantamento vamos chegar a conclusão que temos milhares de mulheres chefes de família. A medida que as mulheres conseguem ter seu próprio dinheiro, elas fogem dessa dependência do companheiro, se entendem como sujeitas da história, atuam nesse mercado de trabalho. Infelizmente, é possível notar que muitas ainda estão “no chão de fábrica”, o que quero dizer com isso, que não ocupam muitos cargos de destaque. É tão difícil as mulheres irem nessa direção, estarem em cargos de destaque que a gente acaba ‘apontado’ eles. Mas, a entrada das mulheres no espaço do trabalho foi fundamental. Além disso, as mulheres passaram a ocupar os espaços de formação, em termos de conhecimento, em termos de ingressos nas universidades, de se preparar para esse mundo do trabalho. Isso foi fundamental para que saíssem daquela condição subalterna, esse é o ponto. O outro ponto, com certeza foi a lei. Vem para combater a violência contra as mulheres e então a existência de uma lei é o reconhecimento que há uma desigualdade na sociedade, isso é o primeiro passo para gente começar a atuar contra a violência. Desigualdade de participação, desigualdade do que as mulheres sempre fizeram e nunca foram reconhecidas. Então esses dois aspectos eu considero fundamental e eles dão até um ponta pé para que a gente tenha uma mudança e acho que a gente está em curso com essa mudança nos postos de destaque da nossa sociedade que é a nossa política institucional. Nesse âmbito nós temos poucas mulheres. A gente se anima quando o índice melhora um pouco, mas precisamos entender o motivo que faz esses índices serem baixos, já que ao longo da história da sociedade brasileira, a gente teve sempre essa dificuldade de que as mulheres fossem reconhecidas enquanto participantes dessa história, isso se reporta também à política, que ainda nos dias de hoje é vista como coisa de homem. 

O que ainda precisa ser conquistado?

São muitas conquistas que precisam ser efetivadas. Precisamos de políticas públicas educativas que discutam no âmbito de todos os destaques da sociedade, nas escolas, nos grupos informais, que se discuta essa diferença de poderes em relação as mulheres, pra que tenhamos um refazer dessa cultura da dominação do homem sobre as mulheres, que a gente possa criar uma outra cultura, isso é um processo mais demorado. Se nós falamos até agora que ao longo da história da sociedade foi embutido na cabeça de homens e mulheres que havia um poder patriarcal nessa sociedade, que subjugava a participação das mulheres, nós precisamos refazer isso. Refazer essas ideias que estão na mente das pessoas em relação a essas diferenças de ‘comando’. Isso é preciso ser refeito e isso só é refeito ao longo dos tempos, a partir de muitos debates, a partir de políticas públicas, que se voltem a criar espaços, dento das diversas instituições de participação efetiva das mulheres, aí nós falaríamos sim das cotas. Nós temos cotas de 30% para as mulheres nos partidos políticos, mas muitos partidos políticos lembram das cotas, somente às vésperas do registro das candidaturas, das pessoas que vão concorrer a determinado pleito. Não é aí que a gente tem que lembrar da existência das cotas de 30%, a gente tem que lembrar ao longo do processo, da formação dentro dos currículos escolares, sejam na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio, no ensino superior, que traga essa discussão para o espaço de debate, nos grupos informais, nos espaços religiosos. Como que a gente consegue mudar uma situação em que em Mato Grosso do Sul, nós lideramos os rankings de violência contra as mulheres? Como que a gente consegue mudar? Por uma lei? A lei só faz punir o evento já acontecido. Se o evento já aconteceu, a mulher já morreu muita das vezes. Muitas mulheres já morreram. Então como se faz para mudar isso? A partir de um processo educativo. Então é preciso mudar a política cultural que impera na cabeça das pessoas dessa separação dentro da sociedade. Esse é um dos pontos fundamentais que a gente tem que atuar e que se responde a todas as instâncias da sociedade. Isso está dentro da família, do sistema carcerário, dentro de qualquer instância da sociedade. A mudança da conduta cultural das pessoas, conduta que precisa ser efetivada, além do diálogo, ela precisa ser efetivada com leis e quando eu falo efetivada, é se pensada na legislação que pune essa violência contra as mulheres, essa é móvel e é incerta. Uma hora a gente tem todo um debate, aí entra um governo com outro debate que desmonta tudo que foi construído, então isso precisa ser estabelecido não como uma política de governo, mas como uma política de estado e enquanto política de estado, pode mudar o Governo que quiser, aquela política vai ter que ser seguida. Essa é a grande necessidade que nós temos: de encarar essa diferença cultural como um compromisso do estado, não uma plataforma política de determinado governo e assim por diante. Um ponto fundamental para gente desencadear qualquer outro processo é a mudança das ideias, seja em homens ou mulheres, porquê quando a gente fala numa ideia de que os homens ainda se sentem dono desse corpo das mulheres, muitas vezes as mulheres interiorizaram isso de uma forma, que elas mesmas reforçam essa concepção, sem se darem conta de que estão legislando contra elas próprias. Quando se acabam justificando acontecimentos por conta da vestimenta de mulheres e assim por diante, elas estão referendando esse poder masculino. 

Penso que é necessário que as ditas cotas também contemplem a diversidade feminina que nós temos. Pois em termos partidários e isso está para todos os partidos, os partidos pensam em mulheres boas de voto. E as mulheres que ali estão nos diversos movimentos sociais, por que as mulheres sempre fizeram política, a política do dia a dia, da reivindicação, a política da creche a política da escola, essas mulheres nem sempre aparecem nos partidos políticos, elas são esquecidas. Aparecem só aquelas conhecidas como boa de voto, que são em grande parte, vem de uma tradição política, não vem de movimentos sociais, populares, então que essa política partidária lembre da diversidade da sociedade. Tem mulheres tentando construir uma sociedade em todas as instancias das classes sociais, então os partidos precisam ser plurais, precisam trazer a cena, mulheres que não tem essa conotação de agregar para dentro do partido determinada quantidade de votos, mas determinada demanda, a demanda é fundamental para os partidos políticos para ação política e não a política em si, como visão de determinar determinado partido, mas de validar determinada demanda social. Quem perde é a sociedade, pois você invisibiliza boa parte das ações que são colocadas no cotidiano, então pelo fato de nós estarmos num estado de que há um predomínio de determinado segmento produtivo, nós temos muitas mulheres nesse segmento sendo referendada. Penso que isso é bom. Penso que tem espaço para todo mundo na sociedade, mas não que tenhamos só determinados segmentos sendo contemplados. Por isso que coloco, os partidos políticos, que precisam ser plurais em termos de classes sociais, precisam reconhecer a dinâmica da classe, antes de reconhecer a quantidade de votos que cada partido pode “puxar” para dentro de suas legendas daí é fundamental que no âmbito dessas cotas se tenham mulheres que pertencem a todas as camadas sociais e que no âmbito do cotidiano são mulheres que atuam para transformação da sociedade. Isso se chama democracia. Incorporar para dentro dos partidos essa diversidade, de gênero, de raça, étnica. Somos um estado com uma população indígena imensa, mas nas representações a gente não tem. Temos uma sociedade com muitas mulheres, mas a cota na política é 30%, se você pegar os números de quem vota e de quem pode ser votado, nós temos mais mulheres do que homens na sociedade brasileira, no entanto, a gente tem um viés bem curto de representações femininas nessas plataformas recebedoras de voto. Acho que é fundamental esse fator ser repensado em Mato Grosso do Sul. Essa também é uma realidade brasileira. Até um último pleito a deputado estadual, isso virou uma matéria até na Folha de São Paulo. Como um Estado não havia nenhuma mulher dentro da casa estadual. Agora temos, mas podemos contar no dedo de uma mão.  

Em Dourados, qual sua avaliação sobre as políticas públicas para as mulheres? O que poderia melhorar?  

Já existiram. Recordo que quando em 2005 cheguei aqui se tinham muitos cursos de formação. Enchia o auditório do Parque dos Ipês com a rede de ensino municipal, estadual, com cursos de formação, falando sobre assuntos diversos, dentre eles, a participação das mulheres na sociedade, a violência, a necessidade de direitos garantidos e penso que é hora de a gente reaver esses debates. Não é negando a existência das diferenças sociais que a gente vai conseguir resolvê-las. Não é só criar leis que punam, pois a lei por si só, precisa de um anteparo, como já dissemos. É hora de a gente retomar essa discussão das formações continuadas, que estejam em todos os níveis da formação acadêmica seja desde o infantil até o superior, mas também é preciso reconhecer que tivemos alguns avanços. Por exemplo, hoje as mulheres detêm a condição da casa própria no nome delas, isso é um avanço muito bom, hoje muitas são chefes de família e isso é muito interessante. Mas o acesso à saúde, também tenho visto muito debate em relação a saúde da mulher, que por vezes a gente esquece que esse é um fator fundamental e é necessário dentro condição de autonomia feminina, incentivo a empreendimentos femininos também é algo que tem que emergir do poder público municipal, pois a partir do momento que se incentiva esses empreendimentos, a mulher vai ter tendo seu próprio dinheiro, vai se empoderando, ela não se submete a situações de violência, nem a ela, nem a sua família. Existem avanços, mas também temos muita coisa a ser feita. 


 

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