Mato Grosso do Sul

Paralisação de abates deixa Capital do Pantanal sem carne de jacaré

Jacarés em uma das baias que criam os animais para o abate. (Foto: Priscilla Peres/Arquivo) Jacarés em uma das baias que criam os animais para o abate. (Foto: Priscilla Peres/Arquivo)

Economia

Empresários buscam alternativas em outros estados para driblar dificuldades e manter iguaria no cardápio

Devido à falta de matéria-prima, empresários do setor de turismo de Mato Grosso do Sul estão retirando de suas relações de produtos a carne de jacaré. O desabastecimento ocorre justamente no período de férias, em que segmentos como o de bares e restaurantes, lojas de carnes, hotéis e mercados aproveitam para aumentar o faturamento.

Nem mesmo a capital do Pantanal, Corumbá (a 428km de Campo Grande), escapa à escassez, conforme apurou a reportagem. Em um dos principais hotéis da cidade, já não tem pratos com carne de jacaré à venda há uma semana. Em outro restaurante, bastante frequentado por turistas, as vendas vão até “enquanto durar o estoque”. “Acredito que conseguiremos terminar o ano com o que temos. Agora, vamos ter que ver como vamos agir para o ano que vem”, disse o funcionário, que preferiu não se identificar.

A informação não temos, oficialmente, ainda, mas é uma situação delicada realmente", comenta Cássio Costa Marques.

O motivo do sumiço da carne no mercado é a paralisação dos abates no frigorífico de jacarés, Caimasul, localizado na rodovia BR-262, próximo à cidade. A interrupção das atividades na planta frigorífica já era prevista, segundo secretário de Desenvolvimento Econômico de Corumbá, Cássio Costa Marques. "Havia, sim, essa possibilidade em função da coleta insuficiente de ovos no período adequado. A informação não temos, oficialmente, ainda, mas é uma situação delicada realmente."

Costa Marques vê com preocupação a atual situação da empresa, por exercer papel relevante na economia local, com geração de 40 empregos diretos e renda aos ribeirinhos, que auxiliam na coleta de ovos na natureza. Depois de colhidos pelos ribeirinhos, os ovos são chocados em local preparado na sede da empresa e os filhotes colocados em baias, onde são tratados até atingirem a idade e tamanho adequados para o abate. "São empregos importantes e uma atividade econômica muito relevante, pois estamos no Pantanal e é uma atividade sustentável. Além de, também, criar geração de renda para os ribeirinhos que são parceiros”.

Com o intuito de fomentar o negócio regional, o Município chegou a criar, em 2019, a lei nº 2.678/2019, que instituiu o Dia do Jacaré, a ser comemorado sempre no dia 15 de julho. Na ocasião, o anúncio aconteceu na sede da Caimasul, inaugurada em 2017.

Em Campo Grande - Dependentes comercialmente do principal fornecedor do produto no Estado, comerciantes de Campo Grande estão de ‘mãos atadas’. Em uma breve busca na internet por estabelecimentos que ofereçam carne de jacaré na Capital, o Augustus Restaurante, reconhecido por seus pratos tradicionais e culinária pantaneira, aparece no topo da lista. "Este resultado, além do engajamento espontâneo dos clientes, é fruto de um trabalho intenso de marketing que fizemos para divulgar a carne de jacaré em nosso estabelecimento. Isso foi há mais ou menos três anos, quando representantes da empresa vieram aqui nos pedir para apresentar o produto deles", disse o proprietário, Augusto de Sousa, 55 anos.

Há 18 anos em atividade, além dos já conhecidos pratos regionais que têm como ingrediente principal o arroz, com o Arroz Carreteiro e Arroz com Linguiça e Banana da Terra, em 2018, a casa lançou o Filé de Jacaré Grelhado, Isca ao molho de Urucum e Jacaré na Moranga, que poderiam vir a ser fortes concorrentes para representar a gastronomia sul-mato-grossense. No entanto, as novidades foram retiradas do menu. "Tirei do cardápio, porque acaba sendo constrangedor ter que explicar toda semana, aos clientes que procuram, que não temos o prato disponível. Dia desses, recebemos, de uma só vez, dezesseis pessoas que queriam comer carne de jacaré”.

Ele ainda relata que no começo da parceria, caminhava tudo bem, mas que de dois anos para cá, a empresa deixou de atendê-lo. “Em um primeiro momento, liguei na empresa e me disseram que o abastecimento estava ocorrendo normalmente, mas procurei para comprar e não encontrei. Depois, me informaram que o fornecimento estava parcialmente suspenso e que voltaria em fevereiro de ano que vem devido ao período de férias dos funcionários", afirmou o empresário.

Segundo Sousa, a alternativa foi tentar trazer o produto de Mato Grosso, que já produz há mais tempo, para dar continuidade ao projeto. Porém, os altos custos inviabilizaram os negócios, uma vez que o valor no estado vizinho não sairia por menos de R$160,00, o quilo. “Tentamos trazer de Cuiabá, mas é inviável, porque o custo se torna muito alto. Como vou vender a esse preço?”, indagou o comerciante, salientando que na última vez que recebeu, a mercadoria produzida em MS já custava aproximadamente R$ 130,00, o quilo.

O desabastecimento da carne de jacaré não se restringe apenas à capital, em Bonito, principal destino turístico do Estado e um dos mais conhecidos do mundo, o empresário Davi Alves, 56 anos, da Pantanal Gril, com 20 anos de funcionamento, informou que já faz um bom tempo que não recebe carne da Caimasul, mas não sabe precisar exatamente desde quando. Para não deixar de atender os clientes, muitos deles estrangeiros que procuram pela iguaria, quando consegue, tem comprado carne produzida no estado de São Paulo, o que eleva o custo em torno de 50%. Isso porque são acrescentados o valor do frete, além de impostos estaduais aos produtos vindos de outros estados. A mercadoria chega de avião e o comprador ainda precisa se deslocar de sua cidade, a 297 km da Capital, para retirá-la no depósito da transportadora, que fica em Campo Grande. “Atualmente, vendemos mais peixes e carnes feitos na brasa”, disse o empresário. Conforme apurou a reportagem, pelo menos mais quatro estabelecimentos de Bonito comercializam a carne de jacaré.

Para fazer em casa - Para quem deseja apresentar a algum visitante da ‘Cidade Morena’ aquele churrasco ‘diferentão’ regado à linguiça e lombo de jacaré, por exemplo, hoje, também não é possível. As lojas especializadas em carnes na Capital, que costumavam intensificar a divulgação de seus produtos para esta época do ano, não estão fazendo. Na página de divulgação de uma delas, a última postagem sobre o tema foi em agosto do ano passado, quando anunciava a novidade aos clientes. Por telefone, funcionário informou que o produto está em falta e que retomaria as vendas somente em maio de 2022.

O Campo Grande News esteve em outra loja, no Bairro Itanhangá Park, e constatou a inexistência do produto. Segundo atendente, o setor de açougue não trabalha mais com carnes exóticas “devido à pouca saída dos produtos, que são caros”.

No Mercadão é tradição - No Mercadão Municipal de Campo Grande, das quatro pastelarias presentes, apenas uma delas nunca vendeu o famoso pastel de jacaré. Já nas outras, a procura é grande, principalmente por turistas atraídos pelos anúncios virtuais e propagandas de quem já aprovou e passou adiante pelo boca a boca.

A passeio em Campo Grande, pela primeira vez, o operador logístico, Cesar Fagundes de Oliveira, 37 anos, saiu de São Bernardo do Campo (SP) e chegou ao local determinado a provar a iguaria. A intenção era de postar uma foto do pastel de jacaré em suas redes sociais para que os amigos pudessem ver o feito sobre um dos costumes locais, mas na hora do pedido, recebeu a notícia de que não havia o sabor desejado. "Agora vou ter que fazer uma foto em que apareça somente a placa com o sabor ao fundo para ninguém saber que não é de jacaré", brincou o turista, enquanto comia um pastel de frango.

Na pastelaria do Milton, o cartaz fixado na parede anuncia a existência da carne do réptil, mas na verdade, é porque ainda não foi retirado. Quem informa aos clientes a carência do recheio regional é Maria de Lourdes, 55 anos, responsável pelo estabelecimento. “Acho que desde um pouco antes da pandemia que não temos o pastel de jacaré, mas a gente tem uma forma no formato do bicho, que também agrada”, já adiantando a confecção de um pastel para apresentar à reportagem.

De acordo com o dono da pastelaria Pit Stop, Emerson Teruo, 42 anos, cerca de 50 quilos da carne eram consumidos ao mês, antes do desabastecimento. Para ele, em comparação a outros sabores, como carne bovina e queijo, os pedidos com recheio de carne de jacaré são bem menores, mas por ser exótico, é algo que atrai quem está na cidade de passagem e quer levar uma história interessante na volta para casa. “O turista quer coisa diferente, por isso, a procura por parte desse público é grande”.

A posição de Teruo é consenso entre os entrevistados, que acreditam que os pratos exóticos são um cartão de visita aos turistas interessados pela cultura local e têm potencial de elevar positivamente as avaliações e indicações a respeito do setor gastronômico de Campo Grande, pois além de proporcionar uma experiência única ao paladar de quem degusta, o local onde esse prato foi consumido fica eternizado. “Vende mais do qualquer outro peixe, só não vende mais, porque ainda é uma matéria-prima de valor elevado”, disse o dono do restaurante Augustus, ressaltando que seria importante outras alternativas viáveis de compra e até instalação de um futuro frigorífico na Capital.

O que diz a empresa - Em nota, a direção da Caimasul informou que o desabastecimento é uma pausa temporária e ocorre devido às consequências da pandemia de covid-19, que afetou além do setor de logística da empresa, a nutrição dos animais. “Todos os nossos clientes foram afetados, transportadoras deixaram de enviar perecíveis ou restringiram algumas cidades. Todos esses fatores, afetaram a economia e com a gente, não foi diferente. Nossas vendas caíram, não só no quesito carne, como na exportação de peles”.

Como são criadores, precisam alimentar os animais diariamente, formulando ração para crescimento e engorda, além de fórmula para manutenção (sem engorda). “Então, tivemos que mudar a alimentação deles para essa manutenção. Como era incerto o retorno sem restrições, tivemos essa pausa. Após a reabertura do comércio, voltamos a tratá-los para que os jacarés voltem ao peso e tamanho desejado para abate, o que leva de três a quatro meses”, tempo estimado para normalizar o fornecimento de carne e embutidos.

Quanto a parceria dos ribeirinhos, a empresa afirmou que dará prosseguimento. “Temos autorização e anualmente coletamos ovos no Pantanal, cerca de 20 famílias são beneficiadas nas regiões do Paraguai Mirim, Castelo e Porto da Manga”, encerra o texto.

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