Política

Drogas: defensores de nova lei exigem rigor; contrários apontam retrocesso

O projeto de uma nova lei antidrogas, alvo de polêmicas há quase três anos, deve ser votado nesta quarta-feira na Câmara dos Deputados. De autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), o texto prevê a internação compulsória de dependentes químicos e o aumento das penas para tráfico de drogas. Defensores do projeto, apresentado em julho de 2010, afirmam que o maior rigor diminuirá a circulação de entorpecentes e o número de viciados, mas opositores apontam que as medidas representam um retrocesso por criminalizar o usuário e não o traficante.

Terra, que é médico cardiologista, defende a internação involuntária de dependentes químicos em um modelo diferente do que já existe hoje, chamado de internação compulsória. Atualmente, uma pessoa pode ser internada contra a própria vontade apenas por determinação da Justiça, que analisará se o indivíduo apresenta riscos para a sociedade se continuar em liberdade. Na proposta, a família do dependente químico poderá pedir a um médico uma autorização para interná-lo, e a decisão será tomada sem a participação de um juiz.

"Hoje, a pessoa se interna se ela quiser - o que é muito raro um usuário de crack se internar, porque nos primeiros anos a droga muda muito a motivação dele, cria um estado mental muito alterado e ele não quer se tratar", disse o deputado. "Você está vendendo tudo que tem, está dormindo na rua, comendo resto de lixo, não consegue trabalhar nem estudar, mas não pode (se) internar porque não quer ser internado. Então, precisa de um auxílio externo: a família, que pede, e o médico, que determina a internação", afirmou.

A dúvida sobre internação à força

A eficácia desse sistema de internação involuntária é um dos maiores debates acerca da nova lei. Opositores ao projeto afirmam que o número de pessoas que permanecem abstêmias de seus vícios após um tratamento compulsório é muito pequeno. O diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Cristiano Maronna, afirma que esse tipo de atendimento não traz resultados positivos, e que seus métodos podem ser cruéis a quem não concordou em procurar ajuda. "Estudos já foram feitos sobre isso comparando a internação à força à prática de tortura. Os especialistas mostram que o índice de sucesso das internações à força é mínimo, entre 3% e 1%", disse ele.

O deputado Chico Alencar se opõe a aumentar as penas e a internar pessoas involuntariamente Foto: Luis Macedo / Agência Câmara O deputado Chico Alencar (Psol-RJ), que também se opõe ao projeto de Osmar Terra, acredita que a motivação pessoal para deixar as drogas é fundamental para que o tratamento dê certo. "Nós temos muitas pesquisas mostrando que o caminho da superação da dependência raramente é alcançado via internação compulsória. O dependente tem que ter consciência da necessidade do seu tratamento e vontade de querê-lo para ter alguma eficácia", afirmou.

Já a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) é favorável à ideia de internar pacientes contra a própria vontade. O psiquiatra Carlos Salgado, especialista em dependência química e membro tanto da ABP quanto da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), diz que a motivação da pessoa para se internar não interfere no resultado do tratamento. "A forma com que o indivíduo chega a tratamento pouco importa, se é voluntária, se é involuntária", afirmou.

Para Terra, o isolamento do dependente químico, independentemente de ser ou não à força, é fundamental para que ele permaneça longe do vício. "O ideal é que (a pessoa) se isole, que ela vá para um lugar diferente, mais distante, que fique com um grupo de pessoas que tem o mesmo problema, com orientação médica e com orientação até religiosa, se for o caso, porque a abstinência dela será mais prolongada - e quanto mais tempo ela ficar em abstinência, maior é a chance de ela continuar em abstinência", disse ele.

Religião no tratamento de viciados

Outro ponto polêmico do projeto diz respeito às comunidades terapêuticas que receberiam recursos do governo federal para oferecer apoio aos dependentes químicos. Algumas dessas instituições são administradas por igrejas e grupos religiosos, o que gerou nova polêmica.

Alencar critica a natureza dos tratamentos oferecidos por algumas dessas comunidades administradas por entidades religiosas, "que trabalham também na cura pela conversão, (acreditando) que evangelizando, doutrinando, afastando os demônios, você consegue a cura". "Ora, dinheiro público não pode ser usado para isso, que confronta a ideia de Estado laico e de eficácia também duvidosa e questionável", disse ele. "No caso do tratamento químico, passar dinheiro público com mais facilidade ainda para comunidades terapêuticas é bastante temerário", afirmou o deputado fluminense.

Terra defende a ideia, afirmando que não vê problemas em financiar organizações religiosas para esse fim. "Por exemplo, a maioria dos hospitais hoje que atendem a população brasileira são hospitais religiosos. Qual é o problema disso? Tem algum mal em a pessoa ter uma fé? Não tem. Esse discurso que nós somos uma sociedade laica, que não pode ter entidades religiosas, que não pode ficar com discurso religioso, isso é uma bobagem", disse ele. "Tem que ter médico, tem que ter psicólogo, agora, assim: se, além disso, tiver a oração no fim do dia, qual é o problema? Eu não vejo problema nenhum nisso, eu não tenho preconceito nenhum contra religião", ressalta o parlamentar gaúcho.

O diretor do IBCCrim manifesta preocupação com a falta de fiscalização das comunidades terapêuticas e com a destinação de dinheiro da saúde pública para essas organizações. "O SUS vai ser sangrado nos seus recursos para financiar esse tipo de iniciativa, que é absolutamente equivocada, e vai dar dinheiro para essas comunidades terapêuticas que não são fiscalizadas, onde há uma série de irregularidades, problemas, maus tratos - além, também, de contemplar interesses políticos relacionados às comunidades religiosas", disse Maronna.

Penas maiores para traficantes

O texto de Terra propõe que a punição aos traficantes de drogas aumente - a pena mínima aplicada para condenados passaria de cinco para oito anos de prisão. "Tem que ter mais rigor nas penas - para o tráfico, não para o usuário. O usuário não é preso no projeto, mas aumenta-se o rigor com o tráfico de drogas", disse o deputado.

Porém, opositores criticam o fato de que a nova lei não estabelece claramente um critério que definiria quem é usuário e quem é traficante. Terra explica que determinar um princípio, como um limite de quantidade de drogas para classificar uma pessoa como usuária e não traficante, seria como liberar as substâncias proibidas. "Se tu definires quem é usuário e quem é traficante pela quantidade de droga portada, carregada na hora da abordagem policial, tu vais ter liberação das drogas. Porque nenhum traficante vai andar com mais do que é permitido", disse o deputado. "A polícia é que tem que avaliar. É o juiz que tem que avaliar isso. Nós deixamos a avaliação sempre pelas circunstâncias, pelo contexto, e não pela quantidade de drogas. Senão, tu legalizas a situação da droga."

Maronna defende o uso de critérios por quantidade de drogas para diferenciar o usuário do traficante. Para o diretor do IBCCrim, a falta de uma definição legal deixa a população à mercê da opinião de policiais - muitos deles corruptos e marcados por preconceitos de cor e classe social. "A lei, no fim das contas, opera uma espécie de seletividade censitária: se você é rico, você é usuário; se você é pobre, é traficante. Porque a lei permite que a pessoa seja condenada por tráfico de drogas com base na presunção", disse. "Esse critério com base na quantidade inverte a lógica que existe hoje na nossa lei. Qual é a lógica da nossa lei? A presunção é a de que todos são traficantes, porque não há exigência de provas de que a pessoa, de fato, vende. Então, qualquer um pode ser."

Aumento da população carcerária

Uma das consequências do aumento das penas que é apontada por críticos do projeto é o crescimento da população carcerária do País. "O Brasil hoje é o quarto país que mais prende no mundo", aponta Maronna. "O fato é que esse 'superencarceramento' decorre dessa massificação da lei, dessa falta de critério adequado entre traficante e usuário e a possibilidade de se condenar um usuário como traficante com base na presunção", afirma o dirigente do IBCCrim.

Para Alencar, aumentar as penas não ajuda os condenados por tráfico de drogas a se reabilitarem. "Num país onde já há, evidentemente, punição para traficante e mesmo para usuário de drogas, e cujo sistema penal é uma vergonha, ele aprofunda o vício e estimula a criminalidade. Então, a cadeia não é o melhor modelo para combater a questão das drogas."

Terra, por sua vez, sustenta que não é a lei que aumenta a população carcerária, mas o número de pessoas que cometem o crime. "O que está refletindo nas prisões não é a lei que produziu, é a epidemia. E tu tens que diminuir a circulação de drogas, não adianta. Se precisar mais vaga na prisão, tem que ter mais vaga na prisão", reforça. "Então agora tu não podes prender mais ninguém? Se a pessoa representa um risco para a sociedade, a liberdade dela representa um risco para a liberdade de milhões de pessoas, de alguma maneira tem que ser restringida. Quanto mais tempo o traficante ficar fora de circulação, menos gente doente vai ter."

fonte: Terra

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